quinta-feira, 21 de março de 2013

Ao pousar novamente a caneta no papel, não posso evitar o pensamento que me remete de imediato à Carta de Drummond. Penso no intervalo em que me ausentei daqui e desse tipo de escrita, que de alguma forma me diz da minha ausência de mim.

"Há muito tempo, sim, que não te escrevo.
Ficaram velhas todas as notícias.
Eu mesmo envelheci"



Reler o que escrevi me faz pensar numa falta que eu mal me dava conta. Foi como se, ao ver alguém bebendo água, eu me desse conta imediatamente de que tenho sede, uma sede profunda e antiga. Ou talvez seja apenas falta de vida: suponho que esteja há um tempo vivendo menos do que posso e percebo agora que minha sede pede inundações.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Teu silêncio me leva longe
De ti...
Faz frio
E é tão cinza!
Calor insuportável!
(Vê-se logo que não sei sentir –
Sou paradoxo
Imperfeito
Mas teu)
Insônia
Desconforto de não achar posição
No mundo
Na vida
Olhos colados no teto sem ver
Sem te ver nunca!
Pensamento viageiro
Pousa em ti
Vagueia
Voa longe, feito eu-borboleta
E volta pra te buscar
Pra te roubar
E te trazer pra perto de mim
Pra dentro de mim
Pxii... Não, não diz nada
Faz silêncio pro mundo
Protege-me em segredo
Guarda tuas palavras pra me dar
Pra não me falar
E no teu silêncio que me arrasta
Só me olha
E mudamente implora
Pelo que já é teu.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Where did go the blue bird i should follow back home?

Olho para a fotografia e me olha de volta essa mulher meio séria de olhos pedintes, lábios fartos e brilhantes. “Você sempre exagera no gloss!”, a voz dele ressoa na minha cabeça arrancando de mim um sorriso no meio dessa tarde chata repleta dos mais aborrecidos afazeres.
Essa mulher passa as melhores horas do seu dia enfurnada num cubículo de paredes amarelas enegrecidas de mofo, com o reboco caindo perto da janela por causa da umidade.
Ela vende seu tempo, sua saúde e seus sonhos, tão barato que nem dá pra acreditar.
E ela passa tanto tempo lá, que esqueceu que há um mundo enorme lá fora. Ela esqueceu até do tempo em que tinha muita coragem de jogar tudo para o alto, como fez quando foi viver no lá longe.
“Ela se esqueceu de que pode voar e pensa que só pode andar devagar assim.” (Clarice, em Felicidade Clandestina)

terça-feira, 13 de abril de 2010

É preciso coragem pra prosseguir apesar dos tapas na cara de mão espalmada que a vida dá na gente vez em quando.
É um misto de fé no que virá ou teimosia mesmo, não sei direito... Teimosia de não aceitar, por força de nada, que seja esse o fim.
E é assim que a gente transforma o que tem aparência de fim em recomeço, em meio, e depois de algum tempo são apenas passagens mesmo...
E a gente vai refazendo o caminho a cada dia, sem nunca deixar de acreditar que um dia tudo se ajeita, que a gente chega lá (seja lá onde for..)


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.:Vai Levando:.
Chico Buarque


Mesmo com toda a fama, com toda a brahma
Com toda a cama, com toda a lama
A gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando
A gente vai levando essa chama
Mesmo com todo o emblema, todo o problema
Todo o sistema, todo Ipanema
A gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando
A gente vai levando essa gema
Mesmo com o nada feito, com a sala escura
Com um nó no peito, com a cara dura
Não tem mais jeito, a gente não tem cura
Mesmo com o todavia, com todo dia
Com todo ia, todo não ia
A gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando
A gente vai levando essa guia
Mesmo com todo rock, com todo pop
Com todo estoque, com todo Ibope
A gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando
A gente vai levando esse toque
Mesmo com toda sanha, toda façanha
Toda picanha, toda campanha
A gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando
A gente vai levando essa manha
Mesmo com toda estima, com toda esgrima
Com todo clima, com tudo em cima
A gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando
A gente vai levando essa rima
Mesmo com toda cédula, com toda célula
Com toda súmula, com toda sílaba
A gente vai levando, a gente vai tocando, a gente vai tomando, a gente vai dourando essa pílula !

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Eu tenho tanta saudade de ti, sabia?
Saudade de ser compreendida até no que eu não digo,
até numa intenção oculta que eu deixava apenas
entrever em alguma palavra e você captava com maestria..
E você não apenas compreendia com perfeição como
atirava ao meu rosto os meus segredos,
como quem diz “ei Pequena, eu te leio a alma”,
e era verdade, lia mesmo, inteirinha, sem deixar passar o menor detalhe..
Você escancarava todas as portas que eu deixava entreabertas,
e eu assistia a isso estupefata e cheia do mais cristalino encantamento..
Acho que é mesmo isso que as mulheres querem, sabe?
Na verdade eu não posso responder pelas outras e preciso parar
com essa mania de diminuir meus desejos-sentimentos com generalizações.
O que eu quero dizer, na verdade, é que é exatamente isso que eu espero, desejo e procuro.
Simples assim..
Tá, é mentira, não é tão simples assim!
Eu quero ser a coisa mais preciosa do mundo pra alguém,
ser zelada como algo único, que como diz a Adriana Falcão é algo que,
pela possibilidade de virar nenhum, pede cuidado.
Se é que você me entende.. e eu sei que sim.
Eu acho tão bonito ter encontrado um dia
uma compreensão do tamanho da que eu encontrei em ti..
E numa hora como essas, em que eu precisava dividir
essa tristeza mansa com alguém, dói mais fundo...

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Estavam ali os dois havia muito tempo, meia hora, talvez, não sabia ao certo.
A cerveja quente no copo sujo diante de si, o calor insuportável,
o nó na garganta, ou mau cheiro lhe revirando o estômago
e aquele silêncio ensurdecedor formando uma barreira entre os eles.
Queria olhar fundo nos olhos castanhos dela e dizer que não podia mais,
que não queria, que sentia muito, que precisava sair daquilo,
que até já tinha comprado passagem pra Minas, ia dia 13, poltrona 26,
queria desesperadamente dizer que preferia mil vezes passar dias sacolejando num ônibus
que o levasse pra longe, que ficar mais cinco minutos suportanto aquela vida miserável ao lado dela...

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Quero

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.

Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?

Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.

Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.

No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.

Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

(Carlos Drummond de Andrade)